segunda-feira, 28 de junho de 2010

A analítica da existência humana.

Heidegger critica a modernidade no seu pensar metafísico-que vê o homem como fundamentalmente racional e individualizado - homens concebidos como entidades e esvaziados em seu ser-com.Sua crítica a este modo de pensar foi instaurando uma nova possibilidade para se retomar o sentido da existência.
Assim, ele analisa este ente privilegiado que é o homem designado ser-aí/Dasein.Ente este que possui a capacidade de questionar sobre seu próprio ser; e que sua essência está em sua existência.
Existência esta que para Heidegger tem sentido diferente em relação à ontologia tradicional, onde o ser é ser a partir do momento que existe.A existência é determinação ontológica exclusiva do ser-aí.Ou seja, os entes que não são ser-aí, não existem.E o ser-aí é sempre uma possibilidade.Ser é na verdade optar por esta ou aquela possibilidade de ser.
“Só o homem existe. A pedra é, mas não existe”.

O pensar metafísico pareceu esquecer a diferença ontológica entre ser e tempo.Ser não é uma substância, um objeto, ser é apenas o modo daquilo que é. É uma possibilidade em aberto.

“O ser não pode ser precisado, objetivado, aprisionado num único sentido”.

O ser-no-mundo é constituinte do ser-aí.A relação homem-mundo se dá como unidade.Não há justaposição de um ente chamado ser-aí sobre outro chamado de mundo, ou de relação sujeito-objeto.
O mundo é uma totalidade de relações significativas, não sendo possível separá-lo do ser-aí ou vice-versa.

“Nós somos o mundo, a existência é uma totalidade”.

O ser-aí é jogado ao mundo em um contexto que determina sua entidade, mas não o determina como possibilidade.O ser-aí nunca é apenas entidade, mas sim uma projeção do ser.A ligação dos homens entre si e com o mundo é o que dá significado às coisas.Enquanto na metafísica, o ser está nas coisas nelas mesmas, na fenomenologia o ser de tudo o que existe está no estar sendo dos homens no mundo.Tudo é o que é em razão da existência humana.Aliás, a existência do ser-aí é sempre uma coexistência, o ser-aí jamais é substância fechada em si mesmo, ele é um “ser-com” porque não há sujeito sem mundo e não pode haver um “eu” isolado dos outros.
“Ser-com-os-outros” é estar ao lado dos outros, um igual diferente, mas caminhando com os outros e não isolado.Para Heidegger, ser-com-o-outro é originário, ontológico ao ser-humano. Ser humano é sempre ser ser-com-o-outro.Para a metafísica a coexistência seria resultado do encontro entre os sujeitos, para a fenomenologia a coexistência é condição ontológica do sujeito.Porém, este ser-no-mundo, na nossa vida cotidiana, acaba por afastar-se de ser si mesmo, caindo no modo de ser inautêntico, decadente e impróprio.Ou seja, distraído de si mesmo por tantas coisas que deve assumir o sujeito acaba caindo na ditadura do “impessoal”.
A existência, a facticidade e a decadência –modo impróprio e inautêntico de ser - tecem a estrutura totalitária originaria que Heidegger chama de cuidado.O homem é essencialmente cuidado.

“A temporalidade é o sentido do cuidado que é o ser-aí”.

Cuidado e tempo são uma unidade.A idéia de temporalidade tem a ver com a finitude do homem que está sempre envolto da possibilidade de morrer.

Os profissionais de saúde

Estes não são apenas os que cumprem um papel, a partir de algo esperado deles, mas também são humanos, seres-aí-no-mundo.Imersos em regras, normas e controles do trabalho cotidiano, os profissionais da saúde acabam por assumir um modo de ser inautêntico que se retrata por cumprir tarefas.Porém, de acordo com a perspectiva existencialista, ao ser-com-o-outro, as possibilidades de ser como os outros ou ser si próprio estão sempre em jogo para o homem, ao cuidar de seu ser e de outros.Assim, mesmo a existência inautêntica abre sempre a possibilidade da autenticidade, o resgate do ser, indo muito mais além da banalidade cotidiana.
Desta forma, os profissionais de saúde, sendo-no-mundo, agiriam profissionalmente além de regras e rotinas, escolheriam um agir profissional autêntico, ao se ver em seu próprio movimento de ser, que tantas vezes ficou imerso no cotidiano.
Percebendo sua existencialidade, podem sentir o vigor de seu próprio ser, situando-se no espaço de trabalho como possibilidade de ser que pode pensar o que ainda não foi pensado, criar, cuidar do outro não apenas através de técnicas, mas por si mesmo, em sua condição ontológica de ser cuidado.Agindo de modo próprio.
Nesse sentido esses profissionais vão além do que foi dado, além das técnicas, mas entendendo que em seu próprio fazer, eles são em sua condição ontológica de ser-com, cuidado.Fazendo valer uma relação de não dominação, mas de acolhimento.Contudo, esta relação só se faz possível quando o profissional se coloca como ser-no-mundo, compreendendo que enquanto ser-com-o-outro o paciente o constitui e ele constitui o outro, de modo originário.Tão importante quanto isto, é não esquecer a singularidade de cada um, o que faz cada profissional e cada paciente ser único; mantendo sempre uma distância que irá gerar uma futura aproximação e permitirá que haja um desvelamento de ambos, sem pré-julgamento.Isso é essencial para que não seja “construído” um profissional “moldado” em suas relações. É um acolher das inseguranças, incertezas, conflitos.

A pesquisa fenomenológica em saúde: algumas considerações

Um dos pontos principais desta pesquisa é contribuir para a reflexão acerca da existência humana, possibilitando um repensar sobre os modos de organização do trabalho, a relação com os pacientes e a formação humana dos profissionais de saúde, em uma lógica oposta ao modelo cartesiano; tendo em vista que é este modelo que impera na forma de atuar desses profissionais desprovidos do sentido de ser-excesso de objetivação com poucas possibilidades para despertar o ser-si-mesmo próprio do homem- pois o ser de tudo que existe está no estar sendo dos homens no mundo e não nas coisas em si como no pensar metafísico.
Nesta pesquisa não há um único método.O investigar abrange um todo, sendo orientado pelo homem em seu estar-sendo-no-mundo.Além disso, o pesquisador é co-participante, não há neutralidade, até porque só é possível interrogar aquilo do que fazemos parte, e o olhar do que interroga jamais é um olhar isolado e apenas dele, ao contrario, é um olhar do qual fazem parte aqueles com quem ele é no mundo.E os resultados avaliados jamais serão capazes de revelar uma totalidade,pois tudo é e sempre será uma possibilidade.

Resumo sobre Psicologia Clínica

Resumo de Psicologia Clínica


Texto: Quem é o Psicólogo Clínico – Pontos Discursivos

• O lugar é no Consultório particular?
• O Atendimento é com clientes Particulares?

Essas confusões se concentram no imaginário de muita gente, na verdade há inúmeros exemplos de como a clínica psicológica pode ser exercida em condições muito diversas das apontadas.

1. A clínica gera uma saber que jamais se converterá integralmente em teoria.
2. Os demais ramos da psicologia (educacional, escolar, trabalho etc.) são derivados por aquilo que define a clínica como lugar de efetuação e também insinua que a clínica seria algo com uma certa problemática (outras áreas da intervenção psicológica)
3. É verdade que a clínica implica numa intervenção, mas é um equivoco pensá-la como uma aplicação de conhecimentos básicos.
4. É verdade que o sentido da intervenção clínica se diferencia em alguns aspectos dos sentidos da intervenção educacional e organizacional mas é um equívoco tratar a clínica como uma mera área de atuação, ou defini-la pela sua intenção curativa a oposição da clínica para os demais é uma questão de método.
5. A tarefa que a configuração cultural contemporânea impõe as clínicas psicológicas é, nesta medida, a da escuta.
6. Quando outras áreas de conhecimento começam a adotar a escuta, adotam, consequentemente o método clínico.
- Pólo disciplinar – tenta-se a cura dos sintomas (redução do excluído)
- Pólo do Romantismo – dar via de expressões ao excluído
- ótica liberal – proporcionar meios de representação e integração do excluído de forma a ampliar o autodomínio do sujeito.
7. A Clinica é o ethos (morada do ser) ela está comprometida com a escuta do interditado e com a sustentação das tensões e dos conflitos.

Texto: O Posicionamento Clínico – Pontos Discursivos

1. A démarche clínica

• Seria o Posicionamento global em relação ao outro, mas também em relação ao saber e sua elaboração (relação entre pesquisa e ação, teoria e prática).
• Seria uma forma particular de resposta a um pedido de ajuda, de alivio para um sofrimento e uma prática de pesquisa rompendo com o positivismo cientifico. (ligação entre os dois âmbitos).
• A abordagem clínica é a abordagem do sujeito ou de um conjunto de sujeito desejantes e pensantes as voltas com um sofrimento, uma crise que os toca por inteiro, direcionando-os para encontrar um sentido para as suas emoções, para as suas lembranças ou para a sua história construída a cada instante.
• A abordagem clinica se recusa a separar o sujeito em partes, em funções ou em faculdades para apreende-lo enquanto totalidade significante. A compreensão do sujeito como todo só se realiza em uma experiência singular.
• A simpatia, a boa vontade, a disponibilidade de espírito não são, no entanto, condições suficientes. É necessário, o pesquisador/ terapeuta elaborar noções teóricas e tê-las como referência.
• O terapeuta apesar disso, tem que resistir a tentativa de reduzir o sujeito ao já conhecido. É preciso admitir o mais inesperado possível.
• A demanda clínica, sua análise e seu tratamento estão no centro da démarche clínica, individual e social. O terapeuta deve tentar compreendê-la (a demanda) e assumir suas conseqüências e seus riscos em função da variabilidade psíquica-emocional de cada sujeito.

A demanda e seus diversos registros de significação

• No plano econômico a “demanda” implica um bem (um objeto material ou um serviço). É inteiramente explicitada pelo objeto ao qual se refere.
• No plano psicológico a demanda é a expressão de uma falta, de um desejo, que só tem sentido em relação aquele ao qual se dirige e que só ele poderia satisfazer; ela não visa nenhum objeto material a não ser por ausência ou por desvio. (A interpretação sempre é necessária). A demanda tem que ser vista.
• O ato clínico pode ser definido como intervenção em uma situação sempre marcada por uma crise do sentido.
• Restringir as reinvidicações materiais a um mal estar de ordem psicológica ou relacional, ou reduzir este último ao objeto de reinvidicação são dois motivos equivalentes de manipulação, que consistem em negar sua significação e em tentar suprimi-la ou contornar seus efeitos.

Clínica e crise do sentido

• Há inúmeras maneiras de se inclinar sobre o sofrimento.
• Tudo deve ser feito para evitar que os conceitos e pressupostos teóricos se interponham entre o clínico e aquele o ou aqueles que tenta escutar e compreender.
• A compreensão é um ato de descoberta progressiva e ininterrupta de significações, sempre parciais e provisórias, emergindo no correr de um diálogo, conduzido passo a passo por meio de desvios e de impasses no qual o clínico desempenha um papel determinante com todos os riscos pessoais que isso comporta.
• Se o trabalho do clínico visa à compreensão do sentido que emerge, ele também é uma clinica de sentido.

Dar um sentido mais puro às palavras da tribo

• O que é com efeito, profundamente original na concepção clínica do sentido é que ela combina suas duas dimensões: orientação (ou projeto) e significação; em outras palavras; mudar e compreender.

Interrogações e perspectivas

• A clínica se define como uma abordagem do outro nas relações interindividuais e nas relações sociais e também com démarche ativa na pesquisa e de intervenção, correspondendo ao mesmo tempo, a valores, posições que dizem respeito ao trabalho cientifico bem como a relação com o saber e ás técnicas e métodos


Texto: A Natureza da Psicologia Clínica – Pontos Discursivos

• A Psicologia Clínica era usada para se referir aos procedimentos de avaliação que eram empregados com crianças retardadas e fisicamente deficientes
• A avaliação Clinica era considerada a função primordial da psicologia aplicada durante a primeira metade deste século. Tinha por finalidade definir as capacidades comportamentais e as características do comportamento de um indivíduo através do método de medição de análise e observação. Exames e históricos sociais complementavam esse processo
• O psicólogo era retratado como profissional que trabalha com o assistente social e o médico num esforço de garantir um programa de tratamento adequado as necessidades de cada indivíduo
• Psicólogos clínicos foram nomeados inicialmente para criar técnicas objetivas de avaliação clínica e, subsequentemente, para aplica-las quando os psiquiatras se deparassem com problemas de diagnóstico-diferencial.
• A clinica era considerada aquela forma de psicologia acadêmica que utiliza pacientes psiquiátricos ao invés de ratos.
• Diferenças entre psicólogos experimentalistas e psicanalistas. Os primeiros utilizavam inventários baseados em depoimento pessoal onde o sujeito era restringido a responder “sim” ou “não”. Era o tipo de introspecção dirigida. O segundo grupo utilizavam técnicas projetivas onde o sujeito externava sua realidade interior através de testes.
• A psicologia clinica, devido a divergências entre as duas linhas teóricas vigentes, era definida de acordo com o pensamento de cada uma delas. Não havia definição generalizada.
• Os serviços dos psicólogos eram avaliação, tratamento, ensino e pesquisa.
• Quanto a avaliação até a data recente (1977), o planejamento e a aplicação de testes eram considerados por psicólogos e psiquiatras a função primordial do psicólogo clinico
• Esses testes podiam ser usados para fornecer diagnóstico psiquiátricos ou para indicar o curso de ação mais apropriado para o individuo.

Texto: Personalidade, ideologia e Psicopatologia Crítica

• A psicopatologia se define como patologia das doenças mentais ou como o estudo das causas e natureza da s doenças mentais.
• A compreensão psicológica da doença mental se inaugura a partir do momento em que a doença mental foi abordada como uma entidade, através de especulações de ordem filosófica, o que era possível em uma psicologia ainda não individualizada, expressada na filosofia e na medicina, que se preocupava em tratar doentes atingidos psiquicamente.
• O objetivo da psicopatologia é a compreensão da patologia enquanto o da psiquiatria e clinica psicológica é a terapêutica.
• A substituição do termo psicologia patológica para psicopatologia corresponde a um deslizamento de sentido, que se dá quando a psicologia patológica se propõe a ser uma psicologia de conduta, substituindo a linguagem da ações nervosas por uma linguagem psicológica.
• A psicopatologia significa tanto a perturbação mental estudada como como a ciência que a estuda.
• Segundo a tese de Canguilhem não era a ciência ou o julgamento médico que deveria decidir cientificamente o normal, mas a vida mesma enquanto um sistema de valores. Isso tem sido confirmado nos últimos anos pelos progressos da técnica médica e psicológica, que obedecem não a uma ordem biológica da saúde, mas a uma crescente conquista dos valores do bem-estar e de qualidade de vida...
• A psicopatologia social – estuda relações entre os transtornos psicopatológicos e a cultura. O social começa a fazer parte do sofrimento psíquico.
• O sofrimento começa a ser encarado como objetivo a experiência compartilhada através da palavra.
• A psicopatologia inclui o grande sistema social
• A partir da psicopatologia social não é somente endógena mas exógena.
• A psicopatologia fundamental e critica
• Seis fundamentos simples:

o Será compreendida de forma não dicotomizada mas mundana. O mundo sensível seria a extensão do ser humano, o outro e o eu são um realidade. Um se continua no outro.
o Uma psicopatologia critica será necessariamente não individualista, priorizando uma compreensão cultural e histórica do fenômeno psicopatológico.
o A psicopatologia critica não pretende não pretende uma neutralidade uma neutralidade cientifica – nesta pretensa neutralidade observam-se as repercussões de concepções biologizantes sobre a experiência do sofrimento o que implica na afirmação mais categórica da psicofarmacologia e das concepções das neurociências.
o a psicopatologia crítica busca a etiologia da enfermidade mental não se restringindo a sua sintomatologia
o A psicopatologia critica compreende toda a experiência psicopatológica como uma experiência de despontencialização, sem confundir sofrimento com psicopatologia. A vida torna-se mais e mais desprovida de significados; perde-se cada vez mais a dimensão do projeto de vida, ficando a deriva, sem a perspectiva de ir adiante em rumo certa experiência de vazio; não se pode tratar todo sofrimento psíquico como doença.
o a psicopatologia Critica é desideologizadora – buscará a compreensão ideológica da situação do doente mental dentro da estrutura sócio-histórica em que este vive, se relaciona, trabalha e adoece.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O jeito de ser Psicólogo

O JEITO DE SER DO PSICÓLOGO

O PSICÓLOGO: não adoece, somatiza;

não transa, libera a libido;

não estuda, sublima;

não dá vexame, surta;

não fofoca, transfere;

não tem idéia, tem insight;

não resolve problema, fecha gestalt;

não muda de interesse, altera figura e fundo;

não se engana, tem ato falho;

não responde, devolve pergunta;

não fala, verbaliza;

não conversa, pontua;

não desabafa, faz catarse;

não dá palpite, oferece alternativa;

não é indiscreto, é espontâneo;

não fica triste, sofre angústia;

não tem dúvida, tem crise existencial;

não "acha", intui;

não tem frescura, regride;

não mente, ressignifica;

não discute, intervém;

não paquera, estabelece "rapport";

não é gente, é estado de espírito;

não faz piada, comete chistes;

não é tímido, é ponderado;

não faz pergunta, levanta hipótese;

não fala mal dos outros, revela sua percepção;

Psicólogo não sonha, realiza desejos do ICS, enquanto dorme; enfim,

Psicólogo não é neurótico... teve uma má resolução do Complexo de Édipo!


Autor desconhecido

O estrangeiro de Albert Camus

“O ESTRANGEIRO” de Albert Camus

“O estrangeiro”, obra de Albert Camus, conta a estória de um narrador personagem, Mersault, um argelino dominado por um vazio que trabalha num escritório em Paris e, em decorrência de circunstâncias absurdas comete um assassinato e, desse modo, julgado pelo mesmo. A Narrativa começa com o recebimento de um telegrama comunicando o falecimento de sua mãe, que seria enterrada no dia seguinte .A partir daí, pode-se considerar o primeiro embate do leitor ao perceber a carência de sensibilidade do personagem diante do luto

“Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: "Mãe morta. Enterro amanhã. Sentimos pêsames." Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem”.

Ele viaja então ao asilo onde ela morava e comparece à cerimônia fúnebre, sem, no entanto, expressar quaisquer emoções. Na volta à sua casa, mais uma vez, remete ao leitor a sensação de que o mesmo mergulha num mundo dominado pelo vazio interior, que o priva de sentimentos:

“Pensei que passara mais um domingo, que mamãe agora já estava enterrada, que ia retomar o trabalho, e que, afinal, nada mudara”.

Reencontra uma antiga amiga, Marie, da qual inicia um namoro, mas ela apenas lhe desperta desejo. Ele é movido somente pelas experiências sensoriais (o cortejo fúnebre, nadar na praia, o sexo com Marie e, logo depois, o assassinato por causa do calor do Sol.)

“Desejei-a intensamente porque usava um belo vestido de listras vermelhas e brancas e sandálias de couro.Adivinhavam-se seus seios firmes e o queimado do sol lhe dava um aspecto de flor”.

O estória prossegue, documentando os acontecimentos seguintes na vida de Meursault que, em seu “tanto faz”, começa uma amizade com um dos seus vizinhos, Raymond Sintes, que se dizia comerciante, no entanto, ganhava a vida em negócios predominantemente amorosos, tais como exploração sexual (proxeneta). Ele chega ajudar Raymond escrevendo um carta que atraísse uma de suas amantes árabes para casa de seu amigo, de modo que o mesmo pudesse vingar-se de uma suposta “traição”. Alguns dias depois, sem grandes remorsos, escuta os gritos de uma mulher sendo agredida no apartamento de Raymond e em nada faz, apenas testemunha a favor de Raymond, seu amigo. No escritório é surpreendido com o convocação do patrão que lhe fala do surgimento de um novo projeto onde lhe daria a oportunidade de morar em Paris e viajar durante parte do ano e o patrão recebe como resposta um decepcionante “tanto faz”, esse seu modo de ser distituído de objetivo é o que torna inquietante para o leitor. Um convite lhe foi feito, passar o domingo numa casa de praia que tinha perto de Argel e ele aceita. Na praia, num intenso calor, Raymond, Meursault e Masson-amigo de Raymond-se confrontam com o irmão da mulher ("o árabe") e mais dois amigos árabes. Raymond sai ferido depois de uma briga com facas. Mais tarde, Meursault volta à praia, encontra um dos árabes e, num delírio induzido pelo calor e pela forte luz do sol, atira uma vez no árabe causando sua morte e depois dá mais quatro tiros no corpo já morto.

Meursault é posto em julgamento por homicídio. Durante o julgamento a acusação concentra-se no fato dele não conseguir ou não ter vontade de chorar no funeral da sua mãe e em repetidas vezes lhe é perguntado se amava a mesma. O homicídio do árabe fica em dimensão reduzida diante do fato de Meursault ser ou não capaz de sentir remorsos; então, se é argumento que, se Meursault é incapaz de sentir remorsos, deve ser considerado um perigoso homem e consequentemente executado para prevenir que repita os seus crimes, tornando-o, também, num exemplo. É surpreendente como Meursault é indiferente enquanto ao seu julgamento, sem ao menos se preocupar com a escolha de um advogado, acha mais cômodo a justiça encarregar-se desse pormenores. É nesse modo de falar descomprometido com sua vida e a forma despersonalizada de lidar com essa nova situação que expressam esse modo de ser cotidiano de um Dasein, “decadente” e “inautêntico”. No dia em que Marie o fez uma visita já na prisão, Meursault parecia mais um telespectador da vida alheia que de sua própria vida, mostrando que ao não se interrogar, não desvelou o sentido de si mesmo e dos entes, sendo assim, permanecendo numa opacidade que, de certo, ainda o encobria e distorcia o desvelamento das possibilidades de sentido de si mesmo e dos entes que lhe vêm ao encontro do mundo.

Os primeiros sinais que revelam o estruturar-se “ser-no-mundo” surge no momento em que se indaga sobre a impessoalidade cotidiana “quem é no mundo” fazendo um questionamento com o guarda sobre a liberdade. Aprendeu a recordar o que já havia vivido e no julgamento compreendera pela primeira vez que era “culpado” pela morte da mãe. Esse sentimento de culpa e angústia, ainda se escondia por trás de uma muralha gélida e sentimentos desolados:

“Assaltava –me as lembranças de uma vida que já não me pertencia, mas onde encontrara as mais pobres e as mais tenazes das minhas alegrias: cheiros de verão, o bairro que eu amava, um certo céu de entardecer, o riso e os vestidos de Marie. Tudo quanto eu fazia de inútil neste lugar subiu-me , então, à garganta e só tive pressa: acabar com isto e voltar à minha cela, para dormir”

Quando o romance chega ao final, Meursault encontra o capelão da prisão e fica irritado com sua insistência para que ele se volte a Deus. A história chega ao fim com Meursault reconhecendo a indiferença do universo em relação à humanidade.

“ Vivera de uma certa maneira e poderia ter vivido de outra. Fizera isto e não fizera aquilo. Não fizera determinada coisa, ao passo que fizera esta outra. E depois? Era como se durasse todo o tempo tivesse esperado por este minuto e por essa madrugada em que seria justificado. Mada, nada tinha importância e eu sabia bem o por quê. Tamb´me ele sabia o por quê. Do fundo do meu futuro, durante toda essa vida absurda que eu levara, subira até mim, através dos anos que ainda não tinham chegado, um sopro escuro, e esse sopro igualava, à sua passagem, tudo o que me havia porposto nos anos, não mais reais, eu eu vivia”.

E pela primeira vez, começou a pensar e perceber que vivia de forma inautêntica diante da impropriedade de suas experiências. E apenas diante das recordações, percebe que sua indiferença ao mundo foi uma escolha, uma possibilidade. Meurseault , enfim, se desvela para um novo modo de ser no mundo, ocorre um abertura de sentido, uma compreensão carregada de afeto, daquilo que não poderá mais viver. Anuncia-se o “mundo” e a angústia surge como “disposição compreensiva” estando agora aberto para si mesmo, para seu ser-no-mundo e tudo aquilo que lhe parecia simplesmente dado, agora lhe é revelado:

Como se essa grande cólera tivesse lavado de mim o mal, esvaziado de esperança, diante dessa noite carregada de signos e estrelas, eu me abria pela primeira vez è terna indiferença do mundo. Ao percebê-la tão parecida a mim mesmo, tão fraternal, enfim, eu senti que havia sido feliz e que eu era feliz mais uma vez. Para que tudo fosse consumado, para que eu me sentisse menos só, restava-me apenas desejar que houvesse muitos expectadores no dia de minha execução e que eles me recebessem com gritos de ódio”.

Nesse momento Meurseult não tenta mais encobrir e fugir da angústia da morte. Ele elabora momentos de sua vida, do qual o fazem compreender o sentido da morte. Pensa na mãe e a compreende por arranjar um “noivo” ao fim de uma vida e o sentido de sentir-se liberada e pronta a reviver tudo, o sentido de ser para uma possibilidade, que nem foge do “ser-para-a-morte” nem encobre. E, antecipando essa experiencia de morte que ele consegue se desfazer dos nós que o impossibilitavam de “ser-para-a-morte”, o impossibilitava de se desvelar enquanto modo próprio de “ser-no-mundo” e, apenas assim, desvencilhando-se do impessoal.

Encontra sua singularidade ao responder o apelo da consciencia, tendo a angústia como disposição compreensiva que convida ao chamamento do “poder-ser-mais-próprio”. Essa escuta do clamor da consciência e compreensão do seu ser-para-a-morte que abriu novo sentido na experiência de finitude, modificando o seu cenário existencial.

A DASEINANALYSE

A apatia de Mersault serve de referência na sua presença todos os nossos ritos, objetivos, preocupações e sentimentalismos que parecem desnecessários, como tentativa de reflexão acerca de nossas angústias. Num momento ele chega a falar:

“compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem dificuldade passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar. De certo modo, isto era uma vantagem”.

E o efeito disso torna-se ainda mais devastador quando percebemos que o personagem leva uma vida simples e normal, sem qualquer distúrbio psíquico-social. Porém isso nos remete que, a angústia existencial vivida por Meurseault é uma manifestação da angústia ôntica, da qual todos nós estamos inseridos. Infelizmente Meurseault foi vítima de uma sociedade que o julgou por acontecimentos descritos e classificados como “impróprios” perante seus valores. E foi nessa teoria de causa e efeito e a necessidade de uma explicação bem formulada e aceita, é que deixam uma incerteza da natureza das causas. Olhando por esse prisma, não se compreendia a natureza do assassinato e por isso foi preciso formular uma teoria do caso. É claro que é inadmissível o assassinato de alguém, mas julgá-lo sem verificar o que está por detrás do fenômeno é o mais correto? É inaceitável matar por causa do Sol, mas ele confessou isto e riram dele.É inaceitável não chorar em pleno luto.Diante desses valores acabou por ser acusado não de ter morto um homem, mas de não ter chorado no funeral da mãe. O fato é que, culpado ou não, Meurseault foi julgado pelos questionamentos e valores morais do mundo e não pelo assassinato do árabe. Ele destruiu, subverteu aquilo de mais valioso para o homem perante a sociedade, que são as estruturas sociais- instituições, leis, religiões, ideologias- ou seja, não se redimiu diante de um capelão, não acreditava em Deus, era um “anti-cristo” e o pior, um misantropo. Era um estranho, estrangeiro do mundo e, também, de si próprio, visto que, conforma-se com tudo, adapta-se às condições impostas pelas engrenagens do tempo e só aproveitava o que era bom quando lhe aparecia como algo dado. O resto, deixava acontecer. Para ele, o prazer já basta. Deus, casamentos, funerais e julgamentos são meras invenções formais que distanciam o homem da crueza dos fatos. O vazio de sentimentos, crenças e ambições de Meurseault, aos olhos da sociedade, são suficientes para lhe transformar num estrangeiro no lugar em que vive e numa visão existencial, estrangeiro dele mesmo.

Sabendo-se que somos seres de angústia e que cada angústia humana tem uma razão “de que” e “pelo que” tem “medo” e se teme. Qual a essência da Angústia de Meurseault? Como disse acima, Meurseault era evasivo, não dava grande importância a nada: e a palavra “tanto faz” predominava em praticamente todo curso do livro. Não se sabe pelo que se interessava, apenas pelo que não se interessava, deixava uma grande sensação de vazio, tédio e completa insensatez da vida. O calor lhe atormentava a consciência de uma forma tal que, se não fosse pela ardência das temperaturas nunca teria dado o primeiro tiro. Mas nem deste disparo se arrependeu e foi incapaz de sentir remorsos. A sua vida é levada, como uma caixa vazia é levada pelas correntezas do rio. Porém, essa mesma correnteza, leva tudo e a todos para o mesmo lugar, o mar. Não adiantou esconder a angústia sobre os sentimentos desolados, visto que, diante do obstáculo que lhe surgiu, a morte, eclodiu o reconhecimento da perda do todo e, consequentemente, o reconhecimento do desencadear da extrema angústia e sentimento de culpa. Sua angústia eclodiu, o medo surgiu, e agora José? O que Drummond queria dizer com “a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou?” o que acabou? Foi a vida? Mas que vida se não lhe dava sentido? Meurseault, na realidade acabou com as possibilidades de escolha, e assim foi além, esgotou a possibilidade de “poder-mais-ser”. Como José, do Estrangeiro lhe é retirado tudo, a parede para se encostar, o cavalo para fugir, a mulher, o discurso, o carinho, o cigarro, está sem rota para escolher, para onde Meurseault marcha? - Para aquilo que lhe carece e lhe falta e, o que lhe falta, lhe direciona à culpa. Culpa de quê? -De não ter mais aquilo que tinha. Culpa de não ter se apropriado de suas experiências. Culpa de sua impossibilidade em “ter” outras possibilidades. E o fato do “não-poder-mais-estar-aqui” e do fim do “poder-existir”, essa grande cólera, como diz Meurseault, o purificou do mal e o fez se sentir pronto para reviver tudo. Em seu último momento, recaem em Meurseault todos os sentimentos de culpa. Mas lhe recai o sentimento existencial de “ficar-a-dever”? Depois de muito pensar, acabou por reconhecer a importância de uma execução capital, assume seu estar - culpado mas não relativo a prestar contas a sociedade, como já disse, mas pelo desvelamento das coisas do mundo, daquilo que mais não lhe pertence devido a sua infelicidade de achar que não pôde mudar os rumos da vida, pela escolha de não fazer escolhas. E como castigo por sua indiferença do mundo, em suas últimas palavras, não se permite superar toda a opressão da angústia e da culpa e, num ato de auto flagelar-se, deseja que haja muitos espectadores no dia de sua execução e que o recebam com gritos de ódio, para que se sentisse menos só.

E AGORA JOSÉ? CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?



E agora, você?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?




Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse

se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Funcäo Paterna no Social

Fazer uma articulação entre o Social e Paternidade e de onde procedem todas essas mudanças que assistimos, seria extremamente propício diante da vastidão do que se sucede na contemporaneidade. Há poucos dias nos deparamos com um acontecimento bastante peculiar da política Brasileira, a absolvição de um estadista, presidente do Senado, no julgamento das acusações por quebra de decoro parlamentar . Por 40 votos a favor da manutenção do seu mandato e 35 contra - com seis abstenções - o senador se livrou da cassação. Ao comentar a absolvição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, quando ainda estava na Dinamarca que, "precisamos nos habituar a acatar o resultado das instituições a que nos submetemos". Diante desse fato , é observada uma característica atual da democracia, a preocupação do poder estatal em prevenir mais a desobediência do que em reprimi-la. Ou seja, é menos uma instância repressiva e mais uma instância de controle que, dissimuladamente, manipula o indivíduo no sentido de discipliná-lo, dando-lhe “bons hábitos”. O Estado, como representante da paternidade, é progressivamente visto como fato de alteração na relação social. Diante do tamanho marasmo e calmaria psíquica da população brasileira, colocou-se em discussão não apenas a crise do Estado providência , mas outros pontos constantemente encontrados nessa nova sociedade que se forma, tais como o crescimento do individualismo, o aumento da violência, entre outros. A evolução as sociedade está se fazendo de maneira muito rápida. Arnaldo Jabor em sua crítica aponta para a possibilidade de uma nova ordem,vejamos em sua fala:

“Se Renan for absolvido, haverá no país uma mudança "lingüística". Não o fim do lírico "trema" que querem abolir, mas uma "novi-língua" que se inicia: a verdade é mentira e vice-versa.”

Ordem essa que, logo após, o faz sentir a necessidade de analisar esse fenômeno em torno dessa “nova ética” chegando a fazer um trocadilho da palavra “ladrão” por “guerreiros”:

“Há uma ética sádica, de contrariar a população, de proteger uma obscuridade secreta, de defender o direito ao roubo, o direito à mentira como um bem precioso, um direito natural. Eles se banham na beleza de um "baixo maquiavelismo", no cinismo dos conchavos, atribuem uma destreza de esgrima às chantagens e manipulações. "Esperteza" é um elogio muito mais doce do que "dignidade"”.

O fato é que o mundo já não é o mesmo. Assim, estamos frente a uma nova mobilização social ? E o que isso tem haver com Paternidade? Em 1932, Lacan, propôs no artigo “Os complexos familiares na formação do indivíduo” dizendo o seguinte:

“Não somos daqueles que afligem com pretenso afrouxamento do laço familiar (...). Mas um grande declínio social da imago paterna (...). seja qual for o futuro, esse declínio constitui uma crise psicológica”.

Identificamos perfeitamente esse declínio do imago paterno na contemporaneidade, onde todo percurso histórico o fez chegar na desaparição do conceito de autoridade em proveito daquele de responsabilidade. É a falta de referência paterna, o sem lugar para um Pai que se encontra a origem dessa nova organização que caracteriza nosso social. Seja na família, na empresa ou qualquer outra instituição esse processo de dessimbolização está afetando nossas sociedades. A falta dessa intervenção paterna, da qual está submetido ao sistema linguageiro, refletirá a falta do delineamento do mito. Pois, sabendo-se que, se o pai apresenta-se da mesma forma que o mito- como maneira de fazer entrar na linguagem o que não pode ser aprendido nela- e ocupa esse lugar, ele permite ao sujeito uma confrontação com o vazio essencial para a existência (o vazio de tornar possível e praticável a convivência com seu próprio eu, sua existência) o que, de certo, detém do engolfamento do mundo materno, da devoração da mãe. Hoje não mais existem “Papais-noéis”, o mito desfragmentou-se e hoje se reconhece então o declínio do Pai Simbólico que assume ser um outro que a mãe numa relação de responsabilidade e não autoridade, demonstrando que essa função não está necessariamente a sua altura. Para Lacan, o pai simbólico é um significante em nenhuma parte representado. É o pai morto, dessexualizado e por isso mesmo conservado como um significante e do qual só se pode alcançar através de uma construção mítica e; o pai real, o agente da castração. Sendo a castração- a existência cujo objetivo é fundar a regra, é então aquilo que nos guia, e, o que nos guia, passando para um âmbito político-social, é o Leviatã, a imagem do modelo político, a imagem do Estado. E esse grande Monstro é a nossa referência.

“Hoje em dia, o lugar do Pai está invalidado e engendra o declínio evocado, implicando no denegrimento de toda autoridade enunciadora(...) é então, no nível social, uma nova configuração que se apresenta como meio circundante para o sujeito”. (Jean Pierre Lebrun)

Naquilo que considerávamos conquista, valor, agora é desvalor, descrédito, e isso irá independer da classe social que o sujeito estiver inserido. No documentário “Falcões, meninos do tráfico” está clara a presença do desvalor, meninas querem como seus companheiros, e são bem vistos, aqueles que possuem armas e fazem parte do tráfico. O bom funcionário é visto como passivo frente às normas, sem ambição. O bom aluno, como idiota e metido a “nerd”. O revoltado, drogado e bêbado, como aquele que sabe aproveitar a vida. Aquele que ofende, um corajoso, e aquele que elogia, um mentiroso ou falso e assim por diante. Estamos numa época onde há a necessidade de se discutir sobre essas novas categorias para enfrentar esse momento de desolamento, onde as pessoas estão “perdidas” sem noção do que fazer, sem direcionamento, orientação. Movidas excessivamente pelo desejo. Não estamos mais na época da qual se tinha uma estrutura Edípica, proposto por Freud. Lembro-me dos desenhos que passavam na minha infância e um deles me marcou profundamente, se chamava “caverna do dragão” onde os personagens Hank, Bobby, Eric, Presto, Sheila e Diana, seis jovens que foram transportados para um mundo paralelo enquanto brincavam em um parque de diversões. Acompanhadas pelo unicórnio, Uni, e ajudados (nem sempre) pelo misterioso Mestre dos Magos, os heróis tentavam exaustivamente retornar para casa, enfrentando no caminho o maligno Vingador e Tiamat, o dragão de cinco cabeças. Esses jovens estavam longe do mundo, perdidos, não estavam numa relação completa com o mundo. Confesso que me causava uma angústia o não sucesso deles de volta ao mundo, de volta à realidade. Mestre dos magos era enigmático, poderia representar a referência paterna, e, o mundo, a materna. O objetivo de satisfação maior para aquelas crianças era voltar ao mundo e para isso tinha que se fazer em Nome-do-pai (significação fálica -um significante que substitui o desejo da mãe), ou seja, tinha que se fazer a partir de um determinado padrão, de acordo com o direcionamento dado pelo mestre dos magos, sua interdição, poderia ser também, desembocar uma nova significação, barrar o gozo obsceno experimentado entre mãe e filho. Na época, pai é que dá fundamento ao Édipo e , por isso, Freud, estrutura as formas psíquicas de relação Edípica: a neurose, relação de compromisso com o Pai; Perversão, recusa da posição paterna e; psicóticos, o desconhecimento do pai. Já para Lacan pai edípico passou para os Nomes-do-Pai, indicando que o significante do Nome-do-Pai, que inscreve o sujeito na lei, não é válido para todos. Cada um tem seu significante do pai ou até vários significantes do pai -o modo como o sujeito se inscreve no Outro.

Comparando a idéia de Lacan, me volto para o desenho, é extremamente compreensível nos colocarmos na condição de mutantes, pois vivemos e permanecemos em mundo algum e, assim, vivemos naquilo que interpretamos. E, talvez por isso, essa nova geração globalizada seja tão singular e individualizada, não tenha referencia de inclusão e cria, segundo sua interpretação, um mundo próprio,.

O que percebemos é que, os padrões de comportamento irão depender de como o sujeito se posiciona frente ao mundo e isso alterará sua visão dele, não é um pequeno fato, é uma revolução, tão importante quanto à revolução de Copérnico quando disse que o planeta Terra não se situa no centro do Universo e o Sol não gira em torno da Terra, e que, ao contrário do que se imaginava, a terra é que gira em torno do Sol, a partir daí,a história nos dá a medida do abalo das referência suscitadas pela substituição da religião por aquela da ciência, assinalando a decadência da legitimidade que a onipotência de Deus autorizava, em proveito da legitimidade permitida pela cientificidade, o que, de certo, produziu um novo laço social, acéfalo de ditos, sem chefia ou guia, de modo a não ter mais “algo” capaz de fornecer referências. A ética divina dá espaço à ética da Razão de René Descartes, que propôs uma nova forma de orientar o sujeito inaugurando um novo método científico, o discurso do método (para Lacan, um saber sem verdade), que busca um ponto de certeza para a construção das ciências, se constituindo pelas idéias e não mais pelas percepções ; não mais se dispunham com do simbólico e sim do Real. Isso implicou num movimento de auto-suficiência. Descartes institui a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu e de Deus. Eu sou aquilo que eu penso, e se penso, logo existo, esta foi a nova forma de pensar que abriu caminhos para a chegada do iluminismo de Rosseau que , antes de mais nada, dizia que deveríamos seguir a conduta razoável, racional. A Razão e a compreensão eram capazes de captar todas as possibilidades da satisfação humana em orientá-la. A sociedade passa, então, a ser orientada pela instância do Saber Racional, Real. Modificada essa autoridade, inaugura-se, então, a violação da Lei da Linguagem, que implica num desequilíbrio do sujeito em relação ao limite (senso comum ou bom senso), o que aliena o conjunto do tecido social.

“ A partir disso, podemos distinguir discurso do homem de ciência - o da primeira geração, aquela em que a enunciação ainda está presente, mas em que já existe o voto de fazê-la desaparecer -, discurso científico – no qual prima o apagamento da enunciação e no qual é provida a autoridade dos enunciados apenas – e, por fim, o discurso técnico – em que lidamos apenas com enunciados, sem vestígios do apagamento de enunciação que, no entanto, inaugurou a seqüência desses discursos”. (Lebrun, pg 65)

Lebrun faz uma analogia com as 3 gerações que assistimos desse mundo marcado pelo discurso da ciência: o avô que faz fortuna, o pai que goza dela e o filho que esbanja e arruína e acaba com a fortuna. Sendo , então, a terceira geração , à desaparição da enunciação

Na contemporaneidade , somos regidos por aquilo que ainda não nomeamos. A Globalização quebra a verticalidade da identidade e o complexo de Édipo não serve mais para orientar. Esse algo na contemporaneidade que elimina a enunciação, gerara os sintomas dessa sociedade que se forma, ao passo que tentamos agora dar conta dos efeitos gerados pela mesma. O Estado é quem estabelece normas, determina os direitos e deveres de cada um, no entanto, não é referência.É o reflexo de um mundo cujo Pai simbólico é regido por um totalitarismo pragmático e não de autoridade. E a sensação é de que este não existe, visto que, é acéfalo de ditos. O caso de Renan seria apenas um exemplo das conseqüências do consentimento de um mundo regido exclusivamente por esse funcionamento , quer dizer, que não deixa lugar para o sujeito. Um sujeito que se auto-inventa. Movido pelos desejos e não por suas ideologias e que vive de um gozo interminável. O sujeito contemporâneo é levado por uma enunciação abusiva que o deixa cego, que o limita, a deixa alienado em sua individualidade.

“esse fato é tão rico que deveria ser analisado sob a luz da ciência política com uma postura menos indignada, pois a indignação se esvai como uma purificação e dá lugar a uma calmaria psíquica - a sordidez assimilada como mais uma desilusão”. (Arnaldo Jabor)

Essa nova configuração Social que se apresenta, por enquanto, apenas nos remete a identificar as características boas e ruins dessa mutação que, para nós, como futuros psicólogos, possamos trabalhar e saibamos nos confrontar com essa nova realidade relativa ao denegrimento dessa autoridade enunciadora. Tentar criar uma ponte, uma relação com esse mundo.