UMA VISÃO PSICANALÍTICA E SOCIAL
A perspectiva psicanalítica freudiana sobre o estudo do Pânico busca ir além das concepções biológicas e empíricas propostas pela Psiquiatria. A partir da noção de desamparo [Hilflosikeit], Freud permite-nos fazer uma articulação dessa idéia com as psicopatologias contemporâneas, que são compreendidas como um processo de produção social. Para tanto, considera-se a relação da incidência da sintomatologia do Pânico com os modos de subjetivação na atualidade. Dessa maneira, a noção freudiana de desamparo é o que permitirá o entendimento do Pânico como uma manifestação clínica do desamparo e como uma das expressões do mal-estar que firma a relação do sujeito com a cultura.
Freud aponta a existência da condição de desamparo - que é fundante e estruturante do psiquismo e, por isso, vai além da objetiva imaturidade biológica própria do recém-nascido - e da situação de desamparo, que seria a concretização dessa condição instalada na situação traumática. Nesse sentido, o Pânico é a instalação de uma situação de perigo interno insuportável para o sujeito: a situação de desamparo, a situação de ausência de ajuda, que remete ao medo da perda do amor, da proteção.
Uma outra questão a ser considerada sobre a compreensão do Pânico na atualidade é o conflito individual e social que se estabelece a partir da exigência da renúncia pulsional como condição para viver em sociedade. Sob esse olhar, a formação de sintomas é, pois, uma maneira que o sujeito encontra de se organizar dentro de um grupo, respondendo aos subsídios que a organização social atual oferece para que ele se sustente para além da cena familiar.
Com relação aos processos subjetivos concernentes à sociedade contemporânea, Freud, ao referir-se à identificação e ideais, indica a ordem paterna como referencial central, como organizador simbólico. O processo de organização individual e social, ou seja, a construção de laços sociais, nesse sentido, diz respeito ao narcisismo (ego ideal/amor de si) e à alteridade (ideal de ego/superego/amor de outro).
O que acontece, entretanto, é que nossa sociedade atual oferece poucas possibilidades para experiências de alteridade, na medida em que impõe valores como a "glorificação do eu" e a "estetização da existência", que enaltecem o narcisismo, de forma a aprisionar o sujeito em si mesmo, criando, desta forma, uma identidade e realidade imaginárias, que o faz contentar-se com uma captação narcísica do outro. A conseqüência disso são a fragilização dos vínculos sociais, dos laços mútuos e da constituição e permanência dos grupos. A modernidade deixa, portanto, o sujeito contemporâneo à mercê da solidão e do vazio, já que preconiza a desregulamentação (falta de ordem) e o excesso de liberdade individual (privatização). Diante disso, o sujeito com Pânico é aquele que diz "não" e denuncia a essa forma impositiva de ser; seriam "fracassados" segundo essa "visão de mundo atual, pois fracassaram no exercício da rapidez e infixidez, da infinita possibilidade da constante renovação, da sedução e promessa de felicidade que a mudança permanente traz. São excluídos sociais". (artigo, p. 201)
Numa perspectiva metapsicológica, o pânico é visto como efeito de um aumento do sentimento de culpa (por não conseguir responder às exigências sócio-culturais) - causado por um tirano superego - que o sujeito não pode tolerar. Como resultado, o sujeito pode erotizar a culpa como meio de fazê-la suportável, transformando-a, assim, em fonte de satisfação masoquista. Isso acontece porque o sujeito, vulnerável à ameça de desamparo, se sujeita ao masoquismo como forma uma de tentar proteger-se. Numa leitura mais aprofundada desse panorama, infere-se que a subjetivação acaba transformando-se em um processo de sujeição, no qual o indivíduo, diante desse cenário de angústia e desamparo, abre mão de sua liberdade, em troca de uma ilusória segurança. Retomando a idéia do lugar do pai, o pânico seria, então, "uma tentativa neurótica de restaurar no plano do imagináro a figura de um ideal onipotente que proteja o sujeito e dê um destino para o seu desamparo[...] O pânico constitui-se num apelo do sujeito para não ser abandonado a seu próprio desamparo, apelo esse que, no circuito pulsional, diz respeito à ativação do masoquismo primário". (artigo, p. 204)
Em suma, o pânico é tanto a expressão máxima do ponto a que pode chegar o sentimento de desproteção que acomete as pessoas, como também é expressão radical da submissão masoquista a que o sujeito pode chegar como forma de proteção contra as incertezas da vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PEREIRA, M. E. C. Pânico e desamparo: um estudo psicanalítico. São Paulo: Escuta, 1999.
www.scielo.br/pdf/agora/v8n2/a03v8n2.pdf
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