quarta-feira, 23 de junho de 2010

Funcäo Paterna no Social

Fazer uma articulação entre o Social e Paternidade e de onde procedem todas essas mudanças que assistimos, seria extremamente propício diante da vastidão do que se sucede na contemporaneidade. Há poucos dias nos deparamos com um acontecimento bastante peculiar da política Brasileira, a absolvição de um estadista, presidente do Senado, no julgamento das acusações por quebra de decoro parlamentar . Por 40 votos a favor da manutenção do seu mandato e 35 contra - com seis abstenções - o senador se livrou da cassação. Ao comentar a absolvição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, quando ainda estava na Dinamarca que, "precisamos nos habituar a acatar o resultado das instituições a que nos submetemos". Diante desse fato , é observada uma característica atual da democracia, a preocupação do poder estatal em prevenir mais a desobediência do que em reprimi-la. Ou seja, é menos uma instância repressiva e mais uma instância de controle que, dissimuladamente, manipula o indivíduo no sentido de discipliná-lo, dando-lhe “bons hábitos”. O Estado, como representante da paternidade, é progressivamente visto como fato de alteração na relação social. Diante do tamanho marasmo e calmaria psíquica da população brasileira, colocou-se em discussão não apenas a crise do Estado providência , mas outros pontos constantemente encontrados nessa nova sociedade que se forma, tais como o crescimento do individualismo, o aumento da violência, entre outros. A evolução as sociedade está se fazendo de maneira muito rápida. Arnaldo Jabor em sua crítica aponta para a possibilidade de uma nova ordem,vejamos em sua fala:

“Se Renan for absolvido, haverá no país uma mudança "lingüística". Não o fim do lírico "trema" que querem abolir, mas uma "novi-língua" que se inicia: a verdade é mentira e vice-versa.”

Ordem essa que, logo após, o faz sentir a necessidade de analisar esse fenômeno em torno dessa “nova ética” chegando a fazer um trocadilho da palavra “ladrão” por “guerreiros”:

“Há uma ética sádica, de contrariar a população, de proteger uma obscuridade secreta, de defender o direito ao roubo, o direito à mentira como um bem precioso, um direito natural. Eles se banham na beleza de um "baixo maquiavelismo", no cinismo dos conchavos, atribuem uma destreza de esgrima às chantagens e manipulações. "Esperteza" é um elogio muito mais doce do que "dignidade"”.

O fato é que o mundo já não é o mesmo. Assim, estamos frente a uma nova mobilização social ? E o que isso tem haver com Paternidade? Em 1932, Lacan, propôs no artigo “Os complexos familiares na formação do indivíduo” dizendo o seguinte:

“Não somos daqueles que afligem com pretenso afrouxamento do laço familiar (...). Mas um grande declínio social da imago paterna (...). seja qual for o futuro, esse declínio constitui uma crise psicológica”.

Identificamos perfeitamente esse declínio do imago paterno na contemporaneidade, onde todo percurso histórico o fez chegar na desaparição do conceito de autoridade em proveito daquele de responsabilidade. É a falta de referência paterna, o sem lugar para um Pai que se encontra a origem dessa nova organização que caracteriza nosso social. Seja na família, na empresa ou qualquer outra instituição esse processo de dessimbolização está afetando nossas sociedades. A falta dessa intervenção paterna, da qual está submetido ao sistema linguageiro, refletirá a falta do delineamento do mito. Pois, sabendo-se que, se o pai apresenta-se da mesma forma que o mito- como maneira de fazer entrar na linguagem o que não pode ser aprendido nela- e ocupa esse lugar, ele permite ao sujeito uma confrontação com o vazio essencial para a existência (o vazio de tornar possível e praticável a convivência com seu próprio eu, sua existência) o que, de certo, detém do engolfamento do mundo materno, da devoração da mãe. Hoje não mais existem “Papais-noéis”, o mito desfragmentou-se e hoje se reconhece então o declínio do Pai Simbólico que assume ser um outro que a mãe numa relação de responsabilidade e não autoridade, demonstrando que essa função não está necessariamente a sua altura. Para Lacan, o pai simbólico é um significante em nenhuma parte representado. É o pai morto, dessexualizado e por isso mesmo conservado como um significante e do qual só se pode alcançar através de uma construção mítica e; o pai real, o agente da castração. Sendo a castração- a existência cujo objetivo é fundar a regra, é então aquilo que nos guia, e, o que nos guia, passando para um âmbito político-social, é o Leviatã, a imagem do modelo político, a imagem do Estado. E esse grande Monstro é a nossa referência.

“Hoje em dia, o lugar do Pai está invalidado e engendra o declínio evocado, implicando no denegrimento de toda autoridade enunciadora(...) é então, no nível social, uma nova configuração que se apresenta como meio circundante para o sujeito”. (Jean Pierre Lebrun)

Naquilo que considerávamos conquista, valor, agora é desvalor, descrédito, e isso irá independer da classe social que o sujeito estiver inserido. No documentário “Falcões, meninos do tráfico” está clara a presença do desvalor, meninas querem como seus companheiros, e são bem vistos, aqueles que possuem armas e fazem parte do tráfico. O bom funcionário é visto como passivo frente às normas, sem ambição. O bom aluno, como idiota e metido a “nerd”. O revoltado, drogado e bêbado, como aquele que sabe aproveitar a vida. Aquele que ofende, um corajoso, e aquele que elogia, um mentiroso ou falso e assim por diante. Estamos numa época onde há a necessidade de se discutir sobre essas novas categorias para enfrentar esse momento de desolamento, onde as pessoas estão “perdidas” sem noção do que fazer, sem direcionamento, orientação. Movidas excessivamente pelo desejo. Não estamos mais na época da qual se tinha uma estrutura Edípica, proposto por Freud. Lembro-me dos desenhos que passavam na minha infância e um deles me marcou profundamente, se chamava “caverna do dragão” onde os personagens Hank, Bobby, Eric, Presto, Sheila e Diana, seis jovens que foram transportados para um mundo paralelo enquanto brincavam em um parque de diversões. Acompanhadas pelo unicórnio, Uni, e ajudados (nem sempre) pelo misterioso Mestre dos Magos, os heróis tentavam exaustivamente retornar para casa, enfrentando no caminho o maligno Vingador e Tiamat, o dragão de cinco cabeças. Esses jovens estavam longe do mundo, perdidos, não estavam numa relação completa com o mundo. Confesso que me causava uma angústia o não sucesso deles de volta ao mundo, de volta à realidade. Mestre dos magos era enigmático, poderia representar a referência paterna, e, o mundo, a materna. O objetivo de satisfação maior para aquelas crianças era voltar ao mundo e para isso tinha que se fazer em Nome-do-pai (significação fálica -um significante que substitui o desejo da mãe), ou seja, tinha que se fazer a partir de um determinado padrão, de acordo com o direcionamento dado pelo mestre dos magos, sua interdição, poderia ser também, desembocar uma nova significação, barrar o gozo obsceno experimentado entre mãe e filho. Na época, pai é que dá fundamento ao Édipo e , por isso, Freud, estrutura as formas psíquicas de relação Edípica: a neurose, relação de compromisso com o Pai; Perversão, recusa da posição paterna e; psicóticos, o desconhecimento do pai. Já para Lacan pai edípico passou para os Nomes-do-Pai, indicando que o significante do Nome-do-Pai, que inscreve o sujeito na lei, não é válido para todos. Cada um tem seu significante do pai ou até vários significantes do pai -o modo como o sujeito se inscreve no Outro.

Comparando a idéia de Lacan, me volto para o desenho, é extremamente compreensível nos colocarmos na condição de mutantes, pois vivemos e permanecemos em mundo algum e, assim, vivemos naquilo que interpretamos. E, talvez por isso, essa nova geração globalizada seja tão singular e individualizada, não tenha referencia de inclusão e cria, segundo sua interpretação, um mundo próprio,.

O que percebemos é que, os padrões de comportamento irão depender de como o sujeito se posiciona frente ao mundo e isso alterará sua visão dele, não é um pequeno fato, é uma revolução, tão importante quanto à revolução de Copérnico quando disse que o planeta Terra não se situa no centro do Universo e o Sol não gira em torno da Terra, e que, ao contrário do que se imaginava, a terra é que gira em torno do Sol, a partir daí,a história nos dá a medida do abalo das referência suscitadas pela substituição da religião por aquela da ciência, assinalando a decadência da legitimidade que a onipotência de Deus autorizava, em proveito da legitimidade permitida pela cientificidade, o que, de certo, produziu um novo laço social, acéfalo de ditos, sem chefia ou guia, de modo a não ter mais “algo” capaz de fornecer referências. A ética divina dá espaço à ética da Razão de René Descartes, que propôs uma nova forma de orientar o sujeito inaugurando um novo método científico, o discurso do método (para Lacan, um saber sem verdade), que busca um ponto de certeza para a construção das ciências, se constituindo pelas idéias e não mais pelas percepções ; não mais se dispunham com do simbólico e sim do Real. Isso implicou num movimento de auto-suficiência. Descartes institui a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu e de Deus. Eu sou aquilo que eu penso, e se penso, logo existo, esta foi a nova forma de pensar que abriu caminhos para a chegada do iluminismo de Rosseau que , antes de mais nada, dizia que deveríamos seguir a conduta razoável, racional. A Razão e a compreensão eram capazes de captar todas as possibilidades da satisfação humana em orientá-la. A sociedade passa, então, a ser orientada pela instância do Saber Racional, Real. Modificada essa autoridade, inaugura-se, então, a violação da Lei da Linguagem, que implica num desequilíbrio do sujeito em relação ao limite (senso comum ou bom senso), o que aliena o conjunto do tecido social.

“ A partir disso, podemos distinguir discurso do homem de ciência - o da primeira geração, aquela em que a enunciação ainda está presente, mas em que já existe o voto de fazê-la desaparecer -, discurso científico – no qual prima o apagamento da enunciação e no qual é provida a autoridade dos enunciados apenas – e, por fim, o discurso técnico – em que lidamos apenas com enunciados, sem vestígios do apagamento de enunciação que, no entanto, inaugurou a seqüência desses discursos”. (Lebrun, pg 65)

Lebrun faz uma analogia com as 3 gerações que assistimos desse mundo marcado pelo discurso da ciência: o avô que faz fortuna, o pai que goza dela e o filho que esbanja e arruína e acaba com a fortuna. Sendo , então, a terceira geração , à desaparição da enunciação

Na contemporaneidade , somos regidos por aquilo que ainda não nomeamos. A Globalização quebra a verticalidade da identidade e o complexo de Édipo não serve mais para orientar. Esse algo na contemporaneidade que elimina a enunciação, gerara os sintomas dessa sociedade que se forma, ao passo que tentamos agora dar conta dos efeitos gerados pela mesma. O Estado é quem estabelece normas, determina os direitos e deveres de cada um, no entanto, não é referência.É o reflexo de um mundo cujo Pai simbólico é regido por um totalitarismo pragmático e não de autoridade. E a sensação é de que este não existe, visto que, é acéfalo de ditos. O caso de Renan seria apenas um exemplo das conseqüências do consentimento de um mundo regido exclusivamente por esse funcionamento , quer dizer, que não deixa lugar para o sujeito. Um sujeito que se auto-inventa. Movido pelos desejos e não por suas ideologias e que vive de um gozo interminável. O sujeito contemporâneo é levado por uma enunciação abusiva que o deixa cego, que o limita, a deixa alienado em sua individualidade.

“esse fato é tão rico que deveria ser analisado sob a luz da ciência política com uma postura menos indignada, pois a indignação se esvai como uma purificação e dá lugar a uma calmaria psíquica - a sordidez assimilada como mais uma desilusão”. (Arnaldo Jabor)

Essa nova configuração Social que se apresenta, por enquanto, apenas nos remete a identificar as características boas e ruins dessa mutação que, para nós, como futuros psicólogos, possamos trabalhar e saibamos nos confrontar com essa nova realidade relativa ao denegrimento dessa autoridade enunciadora. Tentar criar uma ponte, uma relação com esse mundo.

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